quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O perfil no Facebook é minha sala de estar.

Passadas as eleições de 2014,
promulgo aqui a minha

NOVA POLÍTICA DE RELAÇÕES
NO FACEBOOK


Se na sala da minha casa alguém me injuria, eu o mando à caixa-prego. Se me chama de petralha, eu o mando à puta-que-pariu. Se me ofende com preconceitos (contra ateus, negros, nordestinos, homossexuais, mulheres, velhos, comunistas, o meu partido etc.), eu o expulso da minha presença: não preciso conviver com pessoas que condenam as minhas ideias, a democracia ou os direitos que levamos tantos a séculos a conquistar.

Considero o termo "amigo" – mesmo na balbúrdia do Facebook – como se referindo a alguém que me conhece ou alguém que admira o que sou ou o que penso. A raríssimas pessoas eu solicitei que me adicionassem como amigo. Confirmei praticamente todos os pedidos de amizade que me foram feitos, recusando apenas aqueles que, no seu primeiro post, eu já lia o fanatismo, o preconceito ou o ódio.

Considero meu perfil no Facebook como minha sala de estar. Nele posso reunir pessoas para ouvi-las e para mostrar-lhes o que penso e sinto. Meus posts no Facebook são, então, expressões do que penso e estão abertos aos amigos. Serão sumariamente banidos daqui, portanto, os rangeres-de-dentes, as manifestações de ódio, assim como posts que carreguem estertores inconsequentes, calúnias, histerias alienadas ou que combatam a democracia, as instituições da nossa República ou o meu partido. Conforme a gravidade do caso – ou na reincidência –, também os seus autores serão quicados para fora da minha sala.

Como preciso ler, escrever, cuidar do cachorro, plantar horta, caminhar, ouvir música, ver filmes e espetáculos – e muitas outras coisas mais –, não tenho tempo nem disposição para bater boca na rede. As conversas aqui devem ser ganchos para os bate-papos presenciais. E servem também para um contato inicial com cidadãos que cultivem mais ou menos as mesmas utopias que eu.

terça-feira, 20 de maio de 2014

O bicho que roeu meu Shakespeare.

Um cupim tentou aproveitar minha edição das obras completas de Shakespeare, publicada pela Oxford University Press em papel India com ilustrações (Londres, 1955).

Enfiou-se pela capa dura e, como sugere o formato irregular do buraco de entrada, deve ter tido algum trabalho para perfurar a percalina, pois já no cartão, no espelho e na folha de rosto, o furinho é perfeitamente circular.

Depois, atravessou persistente 440 das 1.165 páginas do livro, até alcançar a cena inicial da segunda parte de "King Henry the IV", onde deparou com uma lâmina em que se estampa a fotografia de John Vickers da cena IV do segundo ato da mesma peça, na montagem de 1945 da Old Vic Company. Ali, o animalzinho cansou de Shakespeare ou foi sumariamente defenestrado por minha amiga Eneida, que em 2012 deu uma geral na minha biblioteca para livrá-la das traças e dos cupins.

Felizmente, além do terceiro olho que cavou na testa de Rosalinda, na lâmina de "As you like it", percorrendo as páginas perfuradas pelo invasor faminto, constatei que em nenhuma delas o texto foi drasticamente danificado. O cupim que roeu meu Shakespeare era, afinal, um leitor faminto e respeitoso.

sexta-feira, 16 de maio de 2014

A nossa Copa.

Ocorreu-me ontem, nas conversas de botequim, uma lembrança que vem a calhar.

Em todas as copas, de 1978 a 2002, fui um "anticopeiro" impertinente. Considerava alienante a unanimidade em torno do evento. Com raras exceções nos tempos de Colégio Bom Jesus (em que meus alunos me arrastavam para a festa), durante os jogos do Brasil eu saía caminhando no silêncio das ruas em vez de assistir às partidas pela televisão como praticamente TODOS faziam. As ruas ficavam lindamente desertas. A cidade mudava de cara. Do interior das casas vinham os ruídos da torcida: pelos sons, eu quase via a bola brasileira chegando ou se afastando do gol. Ouvi muito "Filho-da-puta!" gritado coletivamente por trás das janelas enfeitadas de verde amarelo. Eu me sentia sozinho como aquele Charlton Heston das sequências iniciais de "A última esperança de Terra" (1971), mas era bom.

A indignação começou mesmo na Copa de 1978 (quando o goleiro Quiroga do Peru, deixou passar 6 gols argentinos para eliminar da final o Brasil, que acabou como "campeão moral"). Em 1977, o insano general Ernesto Geisel havia lançado o seu Pacote de Abril para assegurar a manutenção da maioria no governo (esse tipo de coisa era própria não só da ditadura, como do governo neoliberal "democrático" de Fernando Henrique Cardoso, que promoveu alterações na Constituição a fim de assegurar um segundo mandato). O país estava realmente uma merda. O desemprego era grande e a rotatividade, maior ainda: os empresários festejavam, porque podiam renovar seus quadros de funcionários pagando cada vez menos pros trabalhadores (eu estava na Fundição Tupy e via isto acontecer). Abandonadas à própria sorte, as famílias agricultoras vendiam a preço de banana as suas terras para os grandes fazendeiros e vinham penar na cidade. Eu via isso. Convivi com isso. Em meio a isso, nós, que éramos contra a ditadura, queríamos discutir política... e o povo queria futebol!

Os anos passaram, conseguimos derrubar a ditadura (por sua própria incompetência e por nosso desejo de democracia) e o futebol permaneceu como objeto generalizado de culto pela maior parte dos brasileiros. Desde 1958, o sonho nacional de uma copa no Brasil (reafirmado por incontáveis pessoas ao longo dos meus últimos 50 anos) está prestes a realizar-se.

Compreendo a irritação contra a Copa da parte daqueles que querem continuar discutindo a realidade brasileira porque a querem melhor. Entendo que os movimentos sociais e os movimentos de esquerda manifestem sua indignação diante dos grandes investimentos no setor. Mas, é preciso recorrer aos dados, é preciso entender que turismo e lazer fazem parte do conjunto de campos de que um país precisa dar conta – o primeiro, porque assegura a circulação e a entrada de divisas; o segundo, porque promove o bem-estar e a saúde, reduzindo os custos do SUS. Além disso, os investimentos na Copa compreendem também investimentos na infra-estrutura (comunicação, estradas, portos, aeroportos), na circulação de bens, na formação de recursos humanos, na geração de empregos etc.

Entretanto, é preciso que as manifestações de esquerda não se confundam com as de direita. Atualmente, o movimento maior anti-copa não é de esquerda; é de direita. São as falanges neoliberais querendo retomar o poder que perderam em 2003. Para isso, precisam a qualquer custo e irresponsavelmente, desmoralizar o governo atual e impedir que a Copa ocorra competentemente, de modo a obterem nas eleições o voto da população frustrada. Mas, com isso, emporcalham impiedosamente a imagem do Brasil no mundo. Arrotam agora, contra o governo popular, o que deviam ter arrotado contra seus próprios governos incompetentes, na ditadura e depois. O Brasil e os brasileiros, entretanto, são muito melhores do que os neoliberais pensam.

O fato de que a gestão desse evento funcione segundo um modelo que essas próprias falanges querem adotar para o Brasil não neutraliza sua utilidade para nós. Não está em poder do Brasil consertar a FIFA e libertá-la de sua ganância, de suas deformações políticas ou racistas e de suas conexões mafiosas. Mas, o Brasil pode, sim, aproveitar esse evento para consertar um pouquinho a sua história presente. É isto, felizmente, que o governo – apesar de sua timidez e de seus senões – está fazendo: tornar a Copa um evento importante não para a FIFA, mas para o Brasil.

domingo, 4 de maio de 2014

A vertigem da infinitude.

Ontem, após o café da manhã, ocorreu-me a ideia de brincar um pouquinho com o tema da infinitude, por causa de uma dorzinha aguda que estava sentindo num dos dedos do pé, como se houvesse uma agulha dentro do calçado que o estivesse picando. Tirei o calçado e nada havia ali que eu pudesse extrair para aliviar a dor.

Fonte: http://uvs-model.com/UVS%20on%20unisonal%20evolution%20mechanism.htmAo caminhar para o carro e depois, ao andar com o Coisinha-de-Nada, meu cachorrio, a ligação entre a minha mente que sentia e o ponto exato do dedo que doía, pareceu-me de repente vertiginosamente enorme. Essas duas áreas do meu corpo, que normalmente sinto tão modesto em dimensões, pareciam separadas por trilhões de células organizadas em tecidos e nervos quilométricos, que realizavam essa transmissão e possibilitavam a consciência da picada impertinente.

O tema foi me ocupando e desdobrando-se em possibilidades, até conduzir-me a uma região que me parecia, novamente, os limites da totalidade – aqueles mesmos que pensei atingir num dos rituais com ayahuasca, de que participei em março do ano passado. Tentei forçar um pouco a barra e mergulhei na dor da vertigem, no desamparo de não poder meter na cabeça a porra da infinitude.

E então, o movimento seguinte: a  incontornável sensação de que não há mesmo nenhuma outra saída que não a mera resignação à pequena vida que vivemos – nós e as formiguinhas que esmaguei pela manhã ao limpar a mesa do café. Parece que o ser humano se meteu num labirinto que só poderia ter evitado lá atrás: o da consciência de si. Para sua desgraça, essa consciência não pode ultrapassar certas paragens além das quais se desconfigura todo e qualquer sentido. Sobretudo, não pode se perguntar de modo algum – sob pena de berrar de dor – o que existe para além desses limites.

E todavia, nenhum indivíduo que tenha uma vez chegado lá, consegue erradicar de si, o desejo de lá retornar, mesmo sob o risco de enlouquecer.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Acalanto para Syrta.

Compus esta peça em 2002, por ocasião da morte de minha amiga pessoal, a produtora Syrta da Silveira. Continua inédita, mas acabo de publicar uma versão digital, produzida com soundfonts não profissionais, mas cujo som sugere – ainda que de longe –  a do quarteto de flautas doces. Só para lembrar.


Acalanto para Syrta
(Borges de Garuva, 2002)