Vila-Matas, Henrique. O mal de Montano.
Tradução: Celso Mauro Paciornik.
São Paulo : Cosac Naify, 2005. 328p.
São Paulo : Cosac Naify, 2005. 328p.
Fazia tempo que um livro não me desafiava e não me fascinava tanto quanto este romance de Vila-Matas.
Trata-se de um jogo sofisticado (me lembrou muitas vezes o xadrez), que requer toda a nossa experiência de leitura e um gosto pela arte literária, pela invenção do texto ficcional, pela apreciação do romance não como narrativa de acontecimentos, mas como invenção de mundos por meio de palavras.
O texto é um labirinto cujas galerias se comunicam entre si, mas as passagens que as ligam são etéreas e se desfazem com frequência, de modo que o leitor fica perdido no meio de vozes (Pessoa? Borges? Kafka? Calvino? Proust? Saramago? Shakespeare? Hugo? Dumas? Pavese...?). Ouvimos ecos de leituras antigas, que a tradução competente de Celso Mauro Paciornik conseguiu manter do texto original.
Outro aspecto que me fascina no livro é exatamente o desafio que ele parece tentar vencer no sentido de criar literatura em meio à barafunda geral que é o mundo contemporâneo, resultado das infinitas tradições que herdamos do passado e que se fundem no nosso tempo, de modo que o escritor parece, como lembrou Kafka, estar sempre escavando "no fosso de Babel", sem muita esperança de encontrar algo de novo com que acenar para os seus leitores: parece que tudo já foi inventado e dito.
Achei fascinantes as copiosas citações e referências (sabendo que algumas delas são ficcionais). Fiz uma enormidade de anotações às margens e, nos intervalos da leitura e agora, passei a investigar partes do labirinto que para mim soaram inteiramente desconhecidas.
Apesar de momentos de confronto e de tensão, eu diria, entre escritor e leitor, a leitura de "O mal Montano" foi, para mim, quase uma vivência de literatura, não tanto quanto à forma literária, mas quanto às transformações da relação que se estabelece entre o criador e o leitor, por meio dessa realidade inteiramente inventada que é a narrativa ficcional ou o romance.
Creio que é um livro para leitores exigentes e com um repertório considerável de leitura. Por isso, aproveitando um conselho de Jorge Luiz Borges, se a primeira leitura assustar, é bom largar e voltar ao livro uns anos mais tarde.