domingo, 24 de agosto de 2008

Podei hoje, já com um pouco de atraso, a minha parreira. Se o tempo esfriar ainda um pouquinho antes da primavera, com certeza farei uma farta colheita.
;)

sábado, 23 de agosto de 2008

A Barca ("Trilha") em Joinville.

 

Foi das coisas mais lindas que já vi. Quero dizer: pra ser feliz, não preciso mais que isto e não acho, mesmo, que exista muita coisa de maior qualidade do que o trababalho da Barca - música feita com alegria e competência, inspirada nos cantares populares que trazem consigo sempre um traço das verdades cotidianas e toda uma generosa humildade na concepção do projeto (o documentário Turista Aprendiz, a oficina de dança Roda de Música / Música de Roda e o saboroso show Trilha).

De inspiração mario-andradiana (no sentido dessa busca de contato com os cantares do povo), o projeto A barca, nascido em 1998, vem desde 2004 cavando melodias populares e transformando-as em matéria-prima para seu trabalho artístico, que acabará ficando como um registro muito digno das cantigas do Brasil.

O show tem momentos musicalmente brilhantes, nascidos tanto da qualidade musical individual, quanto da unidade que o conjunto consegue, reunindo instrumentos de procedências e usos tão diversos, como a dupla parafernália de percussão, a rabeca, o sax, o teclado, o contrabaixo etc. Além disso, Juçara Marçal e Renata Amaral têm vozes lindas e cantam de um jeito que dá muito gosto ouvir.

Vontade enorme de botar o pé na estrada com eles (ou o remo!), na sua expedição musical rumo ao maravilhoso!

Próximos cidades por onde o grupo passará:
Florianópolis, durante esta semana, e
Curitiba, no próximo fim de semana.

O endereço do grupo na rede é
http://www.barca.com.br

(As fotos são do cartão-convite e do encarte do CD "Trilha".
Exibidas aqui sem permissão, mas espero que a intenção justifique.

 

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

 

A imaginação é menos rica que a vida.

(Andrei Tarkovski)

 

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

As FARC e a Colômbia de Uribe.

 

Não é fácil para nenhum de nós que não somos especialistas em política acompanhar a evolução dos acontecimentos do nosso tempo. Mas, algum esforço é preciso fazer para não ficarmos dizendo sim a toda bobagem que a grande mídia vomita nos nossos ouvidos.

O recente caso, em que a Colômbia tentou comprometer o governo brasileiro por sua ligação com as FARC é um exemplo típico de tramóia midiática (aquilo que chamei ontem de tráfico de opiniões), que Elaine Tavares, jornalista do Instituto de Estudos Latino-americanos da UFSC, analisa no seu artigo Farc - verdades e mentiras do front, publicado às p. 6 e 7 do Anexo de A Notícia, neste domingo, 17/08/2008.

Dois poemas de Alberto Caeiro (Fernando Pessoa)

 

Extraídos de O guardador de rebanhos (1911-1912).




IX

Sou um guardador de rebanhos.


O rebanho é os meus pensamentos


E os meus pensamentos são todos sensações.


Penso com os olhos e com os ouvidos


E com as mãos e os pés


E com o nariz e a boca.



Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la


E com um fruto é saber-lhe o sentido.



Por isso quando num dia de calor


Me sinto triste de gozá-lo tanto.


E me deito ao comprido na erva,


E fecho os olhos quentes,


Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,


Sei a verdade e sou feliz.


 


XLIX

Meto-me para dentro, e fecho a janela.


Trazem o candeeiro e dão as boas noites,


E a minha voz contente dá as boas noites.


Oxalá a minha vida seja sempre isto:


O dia cheio de sol, ou suave de chuva,


Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,


A tarde suave e os ranchos que passam


Fitados com interesse da janela,


O último olhar amigo dado ao sossego das árvores,


E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,


Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,


Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.


E lá fora um grande silêncio como um deus que dorme.


 

domingo, 17 de agosto de 2008

Se me lembro...?

 

Essa carinha de anjo - com certeza que me lembro - oculta uma raiva danada: eu queria ter tirado essa foto olhando para a câmera (um cachãozinho de abelha com que meu avô, João Monteiro Cabral, fez muitas e bonitas fotografias na Garuva antiga). Mas, me disseram para botar o olho assim, ó: como está aí. Lembro da raiva misturada com vergonha que senti. Agora, como consegui fazer com que essa raiva não transparecesse na cara? Sei lá! Será que foi aí que comecei a experimentar meus primeiros personagens?

Traficantes de Opiniões.

É isto!Acabei finalmente de descobrir um termo adequadíssimo para conceituar certos órgãos de imprensa. A idéia me veio depois de uns procedimentos clandestinos cometidos por El tiempo, de Bogotá, mas aplica-se também à Veja e seus/suas congêneres: traficantes de opiniões.

Registrada a idéia e guardada, vou ao futebol e depois explico a lógica da coisa.

O caso da mãe cristã.

 

Em Joinville, SC, uma criança foi morta (ou morreu por acidente?) dentro de um templo da Igreja Adventista do Sétimo Dia, durante uma função. Apesar de todas as dúvidas que pairam sobre o crime, o acusado - um servente de pedreiro que algumas vezes chegou a parecer um bode expiatório sacrificado no lugar de alguém - foi julgado num tribunal quase festivo - espetacularizado pela imprensa - e condenado a 20 anos de prisão.


Eu não acompanhei a história, mas há indícios de que ele teria, na época, confessado o crime sob tortura e de que, ao contrário do que propunha a acusação, a criança não teria sido seviciada.


O fato é que, agora, ele está recluso e não pode recorrer.

 

Pois bem: não é terror bastante ter o rapaz acusado de matar Grabrielli de passar os próximos 20 anos de sua vida na cadeia? Não é punição suficiente perder a liberdade e ter a cidadania travada por duas décadas?

Segundo a mãe da menina - que deve ser adventista -, não! Pelo crime, a pena foi pequena, disse. É o que Jefferson Saavedra pinçou dos depoimentos dela e estampou na coluna AN.portal, à p. 2 de A notícia (se você for dotado de paciência digital, visite o blog dele em an.com.br / domingo, 17/08/2008).

Ora, a declaração da mãe da menina é típica de uma imensa parcela dos cristãos. Reflete ódio e vingança e parece desejar a pena de morte para o criminoso, bem ao contrário da proposta evangélica de oferecer a outra face e, sobretudo, de perdoar.

Claaaro, precisamos compreender que ela está com o coração ferido pelo desaparecimento brutal da sua criança, mas, isto não deveria anular o seu bom senso, nem o nosso. O que nos distingue dos criminosos em geral é que, diante dos reveses da vida, tentamos manter a lucidez em vez de sairmos trucidando todo mundo.

Mas, ela não tem culpa. A culpa é de uma certa tradição político-religiosa que vem acompanhando o cristianismo ao longo de sua história e dele não pode ser ainda inteiramente separada: a tradição do olho-por-olho e do dente-por-dente, modo jurídico que regulava as tribos da Mesopotâmia e que, desde que Israel declarou-se o povo eleito de Deus (haja prepotência!), passou a difundir-se com ele para o oriente próximo e depois, com o movimento cristão, para a Europa.

Mas, quantos dois-mil anos mais serão necessários para que a doutrina cristã seja realmente compreendida e praticada - não na forma reguladora e burra como a maior parte dos fanáticos e fundamentalistas quer, mas segundo a proposta lúcida e generosa que a caracteriza nas origens?

Bem, eu não tenho muita certeza de que isto venha a ocorrer. Ao contrário, como se pode ver tanto no mundo cristão quanto no islâmico, um fundamentalismo furioso e bárbaro parece alçar-se como modelo de religiosidade - contra todo o empenho civilizatório dos últimos séculos da nossa história.

Sei lá...

Sobre jornalismo cultural.

 

Organizando meus arquivos, catei este texto. Merecedor de uma releitura, esta será feita nos dias seguintes à publicação, a partir de conversas que espero poder conduzir com as pessoas (público e profissionais) do meu convívio. Embora em alguns aspectos o texto já deva ser reparado, muita coisa no nosso jornalismo cultural persiste na mesmíssima. Taí, então, uma contribuição minha para o debate.

 

Entrevista a Jamil Marques, então estudante de comunicação na Universidade da Bahia (2000).

 

Uma vez que atuamos em regiões tão distantes do Brasil e considerando que tu já deves ter uma percepção do jornalismo cultural praticado no Nordeste, tentarei refletir um pouquinho sobre as práticas da imprensa aqui do Sul, especialmente do eixo Curitiba – Joinville – Florianópolis, com que estou mais diretamente em contato. Assim, antecipo um item de tua primeira pergunta: o suplemento cultural que tomo como referência é o "Anexo" do Jornal A Notícia . O caderno é cambiante: oscila entre a sofisticação e a mediocridade, da mesma forma como o jornal. Já foi brilhante em alguns momentos. Recentemente, não estava bom. Agora, voltou às mãos de uma de suas primeiras editoras, a jornalista Néri Pedroso – presumo que o Anexo voltará aos seus bons tempos. (Podes acessar números atrasados de A Notícia no endereço acima.)

1 - O que você entende por Jornalismo Cultural e como você vê a situação desta especialidade de Jornalismo no Brasil? (Cite, por favor, um bom exemplo de Caderno de Cultura.)

Antes de tudo, jornalismo cultural é jornalismo: isto é, não é publicação técnica, científica ou especializada. É um âmbito do jornalismo que se caracteriza pelos conteúdos com que trabalha, ou seja, com os acontecimentos intelectuais (artísticos e científicos, principalmente) e com isto que se convencionou designar como "variedades" e que engloba também certos acontecimentos sociais, os movimentos, os debates, as tradições... a cultura, enfim.

Existe, todavia, uma tendência (principalmente da parte dos próprios intelectuais, dos artistas, dos cientistas) a esperar do jornalismo cultural uma abordagem de fundo, um tratamento mais especializado das matérias e, sobretudo, procedimentos adequados aos metiês com que lida.

Para mim, jornalismo cultural é, ao mesmo tempo, um espaço privilegiado onde pode florescer a crítica e onde o público pode entrar em contato com a produção intelectual, artística e científica de uma comunidade, um país ou do mundo. Como atividade jornalística, precisa ser bem realizado, pois me parece que o parâmetro da qualidade deve ser aplicável a qualquer das atividades jornalísticas e existem bons exemplos em todo o País de ótimos profissionais trabalhando na área de esportes, por exemplo, cujo texto é muitíssimo mais sofisticado e eficaz do que o de muito jornalista cultural por aí.

2 - Qual a sua opinião sobre a cobertura dos produtos da "indústria cultural" feita pelos jornais brasileiros? Há perda ou reforço de nossa identidade?

Não falarei da indústria de discos porque a barafunda é tão grande que me sinto incompetente para compreender suas políticas – por não atuar na área senão como consumidor – e irritado perante a desfaçatez com que o produto importado ganha os espaços em detrimento das (ainda minguadas) ofertas nacionais.

Falarei do cinema.

Nos jornais da região acima referida, a produção da grande indústria dos Estados Unidos acabou por tomar quase a totalidade das páginas dedicadas ao cinema. Os jornalistas funcionários do "Anexo" não são necessariamente pessoas alienadas em relação à filmografia de qualidade produzida no mundo inteiro e alguns deles têm a prática de ir a Florianópolis, Curitiba e São Paulo para manter-se informados. Nas conversas que com eles travamos nos bares e nos eventos, somos todos muito lúcidos em relação às coisas que acontecem no mundo. Nas edições que se seguem, dia após dia, porém, as coisas mudam de figura.

O problema é institucional: a empresa compra as matérias distribuídas pelos monopólios e, como o número de jornalistas é demasiadamente reduzido pra acompanhar tudo o que ocorre na região e no País, essas matérias acabam servindo pra encher os buracos nas edições do suplemento. Para cada matéria de filme brasileiro são publicadas páginas de texto e imagens a cores de filmes ianques. Sem critério outro além da média que seus autores sabem estabelecer com os espectadores, à revelia de qualquer ponto de vista estética, filosófica ou politicamente lúcido.

Obviamente, a perda de identidade é conseqüência inevitável, embora haja quem afirme ser inócua a influência do jornalismo cultural sobre o gosto do povo em relação aos produtos já "marketizados" pelo jornalismo comum. A verdade é que brasileiro não gosta de se ver na tela. Brasileiro detesta ouvir Português nos cinemas (tanto detesta que fica em massa denegrindo a qualidade sonora dos filmes brasileiros – que nem são tão ruins assim, temos coisas muito piores). Brasileiro goza nas calças quando vê bandeira americana tremulando num forte reconquistado.

Mas, isto não vale pra todo mundo: nos grandes e nos pequenos centros, o próprio público, à medida que se familiariza com os acontecimentos e as questões ligadas à produção artístico-cultural, torna-se mais exigente. Aos poucos, desde uns 10 anos para cá, vem se formando novamente uma espécie de massa crítica da qual surgem ocasionalmente alguns lúcidos cronistas que passam a integrar o jornalismo cultural. Começamos a ver isto por aqui.

3 - No Jornalismo Cultural, podemos observar a predominância em páginas e mais páginas, de alguns olimpianos, os "gurus" da intelectualidade, ou da arte. O Jornalismo Cultural, praticado desta forma, chega a se confundir com o colunismo social?

Como escritor e como teatrista enfrentei algumas vezes, sobretudo nos começos do meu trabalho, a falta de espaço nos meios de comunicação, ocupados que estavam por aqueles que, antes de mim, estavam trabalhando na área.

Depois, a situação mudou: passei eu próprio a ocupar certas "posições catedráticas" na imprensa local, de modo que, em se tratando de teatro, por exemplo, havia quase uma unanimidade em torno de meu nome na imprensa. Eu não

gostava disto, mas era assim que era.

Somente depois de três anos de quase clausura foi que consegui pôr-me na periferia das questões teatrais de Joinville (sobretudo porque os novos funcionários públicos não tinham um projeto cultural que me incluísse). Foi muito bom: plantei uma horta e aprendi a cultivar flores! : )

Enfim, embora devamos sonhar com um jornalismo cultural radicalmente democrático, na prática, no trabalho concreto de produzir diariamente colunas e colunas de assuntos culturais, é uma salvação quando aparecem sumidades que preencham uma, duas, três páginas de matéria relevante para um público certo ou de gosto apurado, que compre o jornal.

Eu próprio tenho (desde menino) uma predileção por textos de autoridades literárias, cinematográficas, musicais. Gosto dos artigos de fundo, das entrevistas realizadas por especialistas convidados etc.

Parece-me que a democracia radical está não em restringirmos o uso dos espaços tradicionais pelo olimpianos, mas – como éramos férteis nos anos 70! – em criar mídias alternativas, espaços novos de informação e de expressão.

Como internauta, percebo que existe hoje um jornalismo cultural totalmente construído à margem do jornalismo cultural oficial da "Folha" e do "Estadão", por exemplo. São os círculos (os "rings") criados na internet, as bases virtuais pessoais (como as minhas, uma abandonada; outra, inacabada!), as inumeráveis páginas de literatura, de cinema, de fotografia, de teatro, de filosofia, de história, de antropologia... de tudo o que se possa imaginar – páginas de peso, não meras brincadeiras acadêmicas ou amadoras –, que recebem colaborações de visitantes e que concentram vínculos para uma cadeia inesgotável de outras possibilidades.

E, então, estamos diante de duas alternativas: ou batalhamos para entrar no espaço restrito dos meios tradicionais em que se privilegiam aqueles que, merecidamente, eu penso, devem ser ouvidos por sua experiência e pela solidez de suas obras, ou mergulhamos com a cara e a coragem no mar de possibilidades que é a internet.

O bom jornalismo cultural é, então, aquele que, trafegando entre um e outro destes universos midiáticos, pode tecer conexões entre os acontecimentos relevantes e o público.

4 - O Jornalismo tradicional está se transformando num "publijornalismo", isto é, um Jornalismo para vender produtos? Sabemos de casos em que o jornalista ganha uma entrevista exclusiva com o cantor desde que dê a primeira capa do caderno para seu novo disco.

O jornalismo tradicional passou pelas mesmas transformações por que passaram todas as formas da empresa capitalista, desde a Revolução Industrial até as mais recentes configurações do neoliberalismo, expresso sobretudo pelo capitalismo de mercado globalizado.

As empresas têm como objetivo e razão o lucro. E nada mais, apesar dos seus belos discursos. Antigamente havia, sim, empresas criadas para beneficiar a coletividade. O próprio conceito de empresa pública era isto. Hoje, as empresas são criadas e mantidas como operações de esperteza, que ocupam (como antigamente os generais, usando seus guerreiros, ocupavam os territórios do inimigo) os mercados.

Não existem mais jornais cuja finalidade seja realmente informar ou contribuir para o desenvolvimento da sociedade etc. Os jornais são empresas que querem vender.

O "publijornalismo" vende mais do que o jornalismo cultural efetivo (e não tem o perigo de dar voz àqueles ou aquelas que possam vir a ameaçar, mais cedo ou mais tarde, as oportunas e lucrativas relações com o poder).

5 - O Jornalismo Cultural deveria funcionar como uma crítica intelectual ou como um serviço de utilidade pública?

Creio que ambas as funções devem estar englobadas dentro do jornalismo cultural. Um jornal, por exemplo, deve tanto listar os filmes, espetáculo e eventos da cidade, quanto abrir espaço para que críticos, artistas, cientistas, organizadores e o próprio público se manifestem acerca dos acontecimentos. Por aí, penso.

sábado, 16 de agosto de 2008

Em tempo de eleição (1)

 

À medida que as eleições se aproximam, as conversas vão esquentando em torno das candidaturas e das perspectivas do futuro governante do município. Não tenho tido tempo, até agora, para argumentar. Mas, vasculhando minhas pastas, selecionei alguns textos que podem contribuir para o debate. Vou publicá-los aos poucos aqui no BGlog, entre uma que outra postagem.

 

Histeria apocalíptica

Borges de Garuva
(escrito para o jornal A Notícia, em 29/07/2007)

O texto de Apolinário Ternes (O país do apagão, 29/7/07, em A Notícia,) reflete um descontentamento raivoso para com o governo que ajudei a eleger.

Como o irônico Celso Rangel (O PT é nossa salvação – idem, ibidem), gostaria que, no governo, o PT pudesse pôr seus sonhos em prática. Mas, só ingênuos imaginariam que a proposta do PT ganhasse as eleições ou que pudessem seus eleitos governar para além de uns meses. O PT precisou vencer dois obstáculos: por um lado, o medo do comunismo (que as elites alimentaram durante o século passado, assessoradas por governos e igrejas a seu serviço) e, por outro, o terror dos abastados de perder o monopólio do lucro. Esses obstáculos se expressavam de duas maneiras notórias: o risco Brasil e a tal incapacidade de Lula para o governo.

Para isto, a corrente majoritária do PT abriu-se, estrategicamente, às parcerias e, ao longo de três campanhas, o candidato “ignorante” tornou-se um diplomata. Coligado com um representante respeitado do empresariado nacional, conseguiu com facilidade histórica chegar ao poder.

Não era precisamente o governo com que sonhávamos, mas continua sendo a opção mais próxima. Desviou o foco das minorias abastadas e, procurando um crescimento menos vertiginoso mas mais sustentável, curou alguns dos nossos males crônicos, dando acesso à cidadania para porções mais amplas da população.

Caos? Em que momento de nossa história não houve caos? Em que momento não estivemos perto de algum apagão? Com os militares – é isto que querem dizer?

Parece que uma histeria coletiva tomou posse de um certo segmento da população, alimentada por Globos, Vejas, Estadões, Folhas etc. Uma histeria doida, que parece cegar os analistas conservadores. Uma histeria que (tiro pela culatra) vem aos poucos convertendo em heróis mesmo aqueles que mereceriam críticas por sua incompetência ou punição por seus crimes contra o patrimônio público.

Apagão? Ora, infra-estrutura não é só logística e energia. Há 20 ou 30 anos, investiu-se na tal da infra, sim, mas em detrimento de outros setores básicos, cujo colapso gerou um país complicado de se governar. Pois esses investimentos, beneficiavam segmentos que já detinham o poder econômico e queriam ampliar seus lucros.

De reivindicações assim nasceu o projeto de revitalização dos terminais aeroportuários, por exemplo: seus usuários exigiam conforto. E o número e o tamanho das pistas tiveram de permanecer os mesmos, já que o orçamento público não pode satisfazer a todas as demandas de um único setor.

Para conter exigências assim, o governo precisa de autoridade. Também precisa de autoridade para controlar a economia dos lobos, cujo desejo é sempre, como dizia Norberto Bobbio, viverem livres entre suas apetitosas ovelhinhas. A arrecadação cresceu? Óbvio. Ela possibilita investimentos na infra-estrutura física e social: impostos são uma forma de repartir a riqueza (gerada sempre com recursos da coletividade – matéria prima, energia, mão de obra e know-how), distribuindo-a um pouquinho para todos os companheiros, isto é, para o brasileiros.

Caos? Caos era antes. Agora temos um projeto de governo popular – frágil, sabemos, carecendo de ajustes, de mais coragem para vencer os obstáculos da história nacional e os empecilhos que os privilegiados criam à sua efetivação e de ágil lucidez para desmontar a máquina midiática que o ameaça. Mas, o projeto existe e está sendo implementado. Seus efeitos se fazem sentir no “cansaço” das elites, que agora resolveram botar-se histericamente em passeata pelas ruas, convocadas pelo dondoca João Dória Júnior, apoiador do Alckmin.

Neste projeto, que não é do PT mas de um conjunto de partidos, abrem-se espaços efetivos para que os cidadãos generosos possam trabalhar pela coletividade e não apenas por seus próprios interesses. Pois os interesses de cada um devem inspirar-se no interesse de todos.

Não: nosso tempo não é de apocalipse, mas de gênese.

 

Mas, que vi, vi!

 


Estas foram as duas imagens que consegui captar do último eclipse do ano, já bem depois das 19h, quando a Lua foi metendo a cara por entre as nuvens e se mostrou pra mim, já quase toda vestida de luz novamente.

Minhas primeiras performances no teatro

 

Legenda das fotos (na ordem em que aparecem no texto).

(1) Borges, como Haroldo, em O falsário (1967).


(2) Jaime Andrade, um dos atores de O falsário (1967).


(3) Belmiro Dalpiaz (O Carcereiro) e Borges (Haroldo), em O falsário (1967).


(4) +Darcy Depiné, a Mamãe Fantasma de Pluft, o fantasminha (1968).


(5) Borges, Hermógenes Fernandes e Francisco Fronza, em Lucíolo (1968).


(6) Borges, em Lucíolo (1968).


Daí que me deu, de repente, uma vontadezinha de resgatar a memória dos primeiros momentos em que pisei o palco na qualidade de ator.

Para que o resgate fosse mais fiel, eu teria de fazer uma sessão de regressão conduzida por algum especialista, mas, como isso não dá, ficam aqui estes rabiscos dos meus contatos com o teatro em Rio do Oeste, onde estudava como interno no Seminário São Francisco Xavier.

O falsário.

Primeira vez que pisei no palco como ator foi nesse espetáculo, que estava sendo montado pela turma dos maiores. Faltou um ator e fui convidado para fazer Haroldo, a vítima inocente sobre a qual o irmão mais velho faz cair o peso da acusação de falsário e que acaba na cadeia, vindo, ao final, a verdade a ser descoberta e tudo acabando muito bem. Compunham o elenco também: Francisco Fronza (Martinho), Celso Feltrin (Felinto), Plácido Mazzi (Jacinto), Hermógenes Fernandes (Tenente Franklin), Édis Lenzi (Dr. Amândio), Jaime Andrade (Sérgio, um presidiário) e Belmiro Dalpiaz (o carcereiro).

A direção de som era uma parceria minha com Dálcio Dolzan. A direção era de Salomão Oliveira Serafim. Estreamos em abril de 1967, embora eu tenha umas velhas fotografias em que está registrado "4-68".

Em criança, quando fiz o álbum, a noção do tempo era diferente ;)

Uma comédia que foi um drama!

Ainda em 1967, tomei a iniciativa de dirigir a montagem de uma comédia de assunto romano, cujo título já me esqueci. Eu era um proprietário romano que tinha a casa invadida por um general trapalhão - o cômico da peça. Como o ator (Evaldo, se não me engano) esquecesse o texto o tempo todo por causa do nervosismo, acabei fazendo o meu papel e o dele - e a peça, por isso, talvez tenha ficado realmente engraçada.

Pluft, o fantasminha (Maria Clara Machado).

Por causa de minha atuação nas duas primeiras peças (e, de certo, também por falta de outro ator melhor), fui convidado a interpretar o Pluft na montagem que um grupo da cidade estava fazendo então. Lembro-me que fizemos algumas apresentações também fora da cidade, em Rio do Sul e/ou Ibirama, algo assim. Do elenco, fazia parte uma das primeiras mulheres por quem me apaixonei (mas, ela era bem mais adulta do que eu), Darcy Depiné, que tinha sido secretária do Ginásio Allamano, onde eu estudava. Era meados de 1968 e nós provavelmente recuperamos a peça uns meses depois.

Nossas montagens, à exceção de Pluft, tinham sempre caráter religoso ou edificante. Com a eclosão da ditadura militar, outro tema que começou a aparecer foi o combate ao comunismo. Por essa época, no internato feminino que funcionava no Colégio Pio XII (o nome tem tudo a ver!), foi montado o libelo anticomunista Espanha em sangue. Eu não estava em cena, mas lembro que essa montagem e, logo depois dela, uma apresentação de Mortos sem sepultura no cineteatro São Luís, despertaram meu interesse pela direção teatral.

Lucíolo ou À procura da verdade (Sílvio d´Athaíde).

Embora Lucíolo tivesse quase nada de caráter político, levantava uma espécie de bandeira de justiça e de liberdade.

Não me recordo exatamente de como era o enredo, mas no programa mimeografado a álcool (que ainda guardo) pode-se ler: Lucíolo, filho de um general romano, inteligente e nobre, desejoso de encontrar a verdade, despreza as vaidades e luxos de seu soberbo pai. Após malograda revolta, encontrando a luz do cristianismo, parte, juntamente com milhares de cristãos para o deserto. É deste lugar solitário, onde se dá o desfecho de um drama comovente e triste, que parte uma nova e grande mensagem de fé aos cristão do nosso tempo. (Felizmente, nossa peça não foi tão convincente assim e a tal mensagem acabou não nos convencendo a virar anacoretas ;))

A peça foi montada por iniciativa minha e de alguns outros membros do grupo (como Eunaldo Verdi), mas o P. Salomão ajudou a dirigi-la. Creio que estreamos no palquinho da área de lazer que tínhamos nos fundos do colégio, mas depois nos mudamos para o presbitério da nossa capela, que em 1969 transformamos num palco de teatro. O primeiro e terceiro atos aconteciam no palácio de Lucíolo, enquanto o segundo ato se passava no deserto. Para a passagem do primeiro para o segundo e o retorno aos jardins do palácio, no terceiro ato, a direção nos propôs um desafio: fazermos toda a mudança de cena em, no máximo, um minuto. Eu gostava muitissimo desses truques, se é que ainda não sou apaixonado por eles. Outro dos truques que já vínhamos utilizando era a tecnologia rudimentar para fazer a luz subir em resistência, utilizando um tubo de água salinizada ao qual conectávamos dois eletrodos.

Do elenco de Lucíolo faziam parte: Antônio Lenzi (Caio Lúcio), eu (como Lucíolo), Eunaldo Verdi (Cecílio) - que talvez tenha sido substituído depois por Francisco Fronza, Osmir Lenzi (Marco Fábio), Moacir Chiarelli (Benjamin), Isauro Rota (Farug), Vilmar Cristofolini (Satúrnio), Nilton Sehnen (um núbio), Orlando Dalpiaz (um anacoreta) e Mário Ropelatto (um soldado). A cenografia era minha e de Antônio Lenzi. A sonoplastia, criada pela direção, era operada por meu irmão Otemar es. A iluminação era do P. Salomão O. Serafim.


Chega de memória por hoje. O sol está voltando, daqui a pouco será eclipse da lua e eu estarei com o pessoal da Udesc e o prof. Fragalli e seu telescópio no pátio da prefeitura municipal.

sábado, 9 de agosto de 2008

Pequenos achados arqueológicos deste sábado.

Sílvio, 1953-4.

Garuva, fins de 1953?

Sílvio, 17/12/1966

Rio do Oeste, 17/12/1966.

Sílvio, 1973.

Já em Joinville, inverno de 1973.

Em busca de uma de minhas primeiras fotos no palco, catei tudo menos a tal. Entre os vestígios d'antanho que jaziam nas gavetas estavam estes meus três momentos

;) Meus escritos são do tipo que só têm valor post mortem. Para pagar dívidas, não servem. (Da primeira afirmação, tenho dúvidas; da segunda, muita certeza.)

Susan Sontag: extratos de Contra a interpretação, 2

 

Comecei em julho a publicar algumas passagens que assinalei na minha primeira leitura de Contra a interpretação, de Susan Sontag. Elas refletem também um certo estado de encantamento que marcava, naquele tempo, a minha relação com a arte. [Os extratos do último capítulo foram publicados a 19/07/2008.]

 
Contra a interpretação.1

[Tarefinha pra depois do almoço e da conseqüente sesta, neste sábado chuvoso.]

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(1) SONTAG, Susan. Contra a interpetação. Porto Alegre: L&PM, 1987. p.11-23.[voltar]

Antes e depois do Renato Russo
de Bruce Gomlevsky.

 

Vi ontem, no Teatro Juarez Machado, Renato Russo, a peça, com Bruce Gomlevsky. Texto inspirado no livro O Trovador Solitário, de Arthur Delpieve, com dramaturgia de Daniela Pereira de Carvalho e direção de Mauro Mendonça Filho. Ao longo do monólogo, Bruce canta Renato competentemente acompanhado pela banda carioca Arte Profana. O espetáculo veio para Joinville pela Studio Escola de Atores - produção de Luciano Cavichiolli e Fernanda Moreira.

 

08/08/08 08:58pm. JM.
ANTES

Sempre há um lugar onde se pode escrever algo. Tenho agora apenas este bilhete de Renato Russo, a peça, que vai começar daqui a pouquinho, aqui no JM.

Pensava agorinha, olhando as pessoas que entravam (quando chegamos muito cedo ao teatro, dá nisto): não envelhecemos; antes, murchamos ou inchamos, tanto na cara quanto nas idéias.

Saí há pouco da comemoração dos 10 anos do curso de Comunicação Social do Bom Jesus/Ielusc e confesso: as idéias que nos moviam outrora eram menos academicamente fundamentadas, mas eram vitais e apaixonadas. Agora parecemos todos mais profissionais, mais determinados e o que dizíamos no início dos anos 90 soa ingênuo.

Porém, não posso deixar de comparar meus colegas de agora com os daquele tempo - e a sensação é a mesma de quando me confronto com aquelas já sépias fotos que andam rolando por minhas pastas e gavetas: ando mais inchado e franzido nas medidas do corpo e das idéias... mas muito mais seguro.

08/08/08 23:48pm. Em casa.
DEPOIS

A arte, como as drogas, serve para que criemos coragem diante das paredes prosaicas do cotidiano, que nos circuscrevem ao tédio biológico-econômico de nascer, reproduzir, trabalhar e morrer.

Quando era garoto, tinha uns tios e muitos colegas estúpidos (coitados, não tinham culpa) que me diziam: "Livros? Para quê? Livros e filmes fazem a gente se encher de ilusões."

E não é que acertavam na mosca, os putos?! Hoje vejo que devo ficar fulo da cara é comigo mesmo: por não ter dado ouvidos ao que diziam. Eu me indignava com eles e ia para a cama sempre com uma pontinha de dúvida quanto aos benefícios das minhas leituras e da grande presença do cinema na minha vida - e corria feliz, no dia seguinte, para bater o cartão ponto no meu emprego seguro e chato, mas real, concretíssimo!

Se tivesse prestado mais atenção a essa merda que diziam, hoje eu seria de verdade um produtivo escritor ou um cineasta. Teria empregado todo o meu tempo útil na leitura e no estudo do cinema, pois a formação profissional do artista se dá na infância e na juventude, quando ele consegue obter melhores resultados no adestramento do olhar, das mãos, da paciência, da disciplina, da lábia e do ímpeto necessários para arrancar do barro da vida uns adões-e-evas.

Pois... eu vacilei porque dei ouvidos à gente "normal" que me cercava. Perdi muito tempo desvencilhando-me dos sonhos.

Só porque homens e mulheres, amedrontados ante a idéia da morte solitária, põem-se a montar bases domésticas e a fazer filhos para que cuidem deles na velhice, somos todos obrigados a fazer o mesmo?

Bem, procriar e viver em grupos pra afugentar o medo é coisa de gente, do bicho humano. Mas, sonhar, também. Nietzsche, também. Renato...

Eu não temo a solidão: embora tenha medo do futuro, sei de certeza que o futuro não é já. E, quando for, terei tempo e razão pruns lamentinhos - que talvez minimizem aquele previsível tédio de já não ter mais como interferir em porra nenhuma no mundo dos vivos.

 

09/08/08 14:38pm. Enquanto o almoço começa a cheirar...
DAY AFTER

Eu trazia comigo uma grande frustração por não haver conhecido pessoalmente Renato Russo - nem mesmo num show. Fui por duas vezes a São Paulo para, através de amigos, chegar até ele com umas letras que havia escrito pensando na sua voz e no jeito de cantar. (Claro, meu bom senso impediu-me de cumprir a idéia ingênua, sobretudo depois que descobri que ele prometera jamais botar os pés em Santa Catarina. Falava sério, será...?)

Pois bem, o trovador solitário voltou. Eu nem conheço Bruno Gomlevsky. O que vi no palco do JM foi uma performance do autêntico Renato Russo, que, vivinho-da-silva, resolveu enfim visitar nosso estado pra matar minha saudade.

domingo, 3 de agosto de 2008

Um poema que fiz para minha mãe (2002)

Izabel Cabral Borges, minha mãe (1929-2003)

 

Saudades de mim

Borges de Garuva

 

Quanta vez tenho saudade de mim mesma,

do que fui, do que senti,

de certos cheiros que os ventos das estações traziam

– as manhãs limpinhas dos invernos,

– o brilho gostoso das tardes do outono,

– o rastro da lua nos mares do verão,

– esses cheiros e ventos que a primavera esbanja.

 

Cada vez uma saudade se guardou aqui:


um cheiro, um som, um raio de luz, um gesto,


aquela palavra dita num preciso tom de voz,


um não, um sim...


 

adeus...


meu bem...


 

Sou, portanto,


inteiramente,


lembranças


de quando chorei, de quando cantei,


de quando disse "meu filho", certo dia,


e um grande sorriso se abriu para os meus olhos...


 

Quando sinto saudade de mim,


do que fui,


do que vivi,


respiro fundo,


olho melhor à minha volta,


olho dentro dos olhos das coisas,


observo este preciso instante que estou vivendo,


atenta para o que se passa em mim.


 

Porque sei que no futuro vou sentir


saudade


do que sou


agora