Ando às voltas com a leitura de duas obras –
Carta a uma nação cristã,
de Sam Harris, e
Deus, um delírio, de Richard Dawkins –, ambas voltadas para o problema das religiões como terrenos propícios aos fundamentalismos que nos afastam cada vez mais vertiginosamente da possibilidade de um mundo mais pacífico e menos propício ao sofrimento.
Quero aqui pontuar apenas uma das numerosas preocupações que movem Sam Harris em sua
Carta a uma nação cristã (que é uma resposta aos leitores de seu livro anterior,
O fim da fé):
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"(...) apenas 12% dos americanos (*) acreditam que a vida na Terra evoluiu através de um processo natural, sem a interferência de uma divindade. Para 31%, a evolução foi ´guiada por Deus´. (...) 53% dos americanos são, na verdade, criacionistas. Isto significa que, apesar de um século inteiro de descobertas científicas que atestam como é antiga a vida na Terra, e mais antigo ainda o nosso planeta, mais da metade da população americana acredita que o cosmos inteiro foi criado há 6 mil anos. Diga-se de passagem que mil anos antes disso os sumérios já tinham inventado a cola. Os que têm o poder de eleger presidentes, deputados e senadores – e muitos dos que são eleitos – acreditam que os dinossauros sobreviveram aos pares na arca de Noé, que a luz das galáxias distantes foi criada da mesma forma como a Terra e que os primeiros membmros da nossa espécie foram modelados a partir do barro e do hálito divino, em um jardim com uma cobra falante, pela mão de um Deus invisível.
Entre os países desenvolvidos, os Estados Unidos estão sozinhos ao adotar estas convicções. De fato, tenho a dolorosa consciência de que meu país hoje parece, como em nenhum outro momento da sua história, um gigante belicoso, desengonçado e mentalmente obtuso. Qualquer pessoa que se preocupe com o destino da civilização faria bem em reconhecer que a combinação de um grande poder com uma grande estupidez é simplesmente aterrorizante, até para os amigos. (**)
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Embora – pelas limitações próprias de todos os humanos no sentido de nossa incapacidade de abarcarmos toda a vastidão da realidade com um conhecimento preciso e final - possam Harris e Dawkins nem sempre referir-se a tudo com o mesmo grau de lucidez, o objetivo principal com que se colocaram em público com obras tão polêmicas é irretocável: embora não definitivas, são contribuições respeitáveis para que um pensamento mais livre encontre espaço junto aos leitores em geral.
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(*) Harris está falando dos habitantes dos EUA e não de nós, que também somos americanos, mas aqui do Sul.
(**) HARRIS, Sam. Carta a uma nação cristã. São Paulo : Companhia das Letras, 2007. p. 15-16).
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