Escrevi este texto para ser publicado no jornal. Mas, acabou muito longo e não tive paciência para enxugá-lo sem truncar o conteúdo. Aqui, está, portanto, neste espaço de plena liberdade de ideias... e de número de caracteres. ;)
Caro Apolinário
Borges de Garuva
“O fim de um mundo”, diz Alain Touraine, “não é o fim do mundo”. As grandes mudanças paradigmáticas por que tem passado a humanidade não significam tragédias, necessariamente.
Teu artigo “Estado de indigência” (A Notícia, 16/01/2011) parece um grito desesperado de alguém que estivesse ficando para trás, que submergisse inexoravelmente no mar da História, impotente diante das novas forças que se levantaram para redefinir os cenários da vida política, econômica e social. O povo (“subserviente”, como dizes) acabou finalmente decidindo – sem armas, sem violência, assim, meio na base do jeitinho brasileiro – que os rumos tinham de ser outros.
O Brasil, Apolinário, não é diferente de outras nações. Cada qual a seu tempo, elas foram arrancadas – pela força imperiosa do povo (“capado”, como dizes) – da paralisia histórica que as entrevava, para serem vertiginosamente encaixadas nos trilhos da mudança que as transformou para sempre. Foi assim, nos últimos séculos, com a Revolução Francesa e também – por que não? – com a Revolução Bolchevique, que acabou com os czares que vinham mantendo a Rússia 200 anos atrasada em relação aos outros países da Europa. Tem sido assim em muitos países dominados por oligarquias insensatas que mantêm sua gente, por séculos, em estado de escravidão ou de colônia – e que de repente se vêm no mato-sem-cachorro, tendo de abandonar as riquezas ilegitimamente acumuladas e fugir, na calada da noite, com o rabo entre as pernas, para algum paraíso fiscal deste grande mercado em que se transformou o planeta.
Pois, no Brasil, caro historiador, não foi diferente – a não ser pelo estilo: aqui, o povo (“subserviente e capado”, como dizes) foi chegando devagarinho ao poder, foi entendendo que podia, que tinha lá o seu mecanismo de governar por meio de representantes, acatando princípios republicanos e democráticos e, empunhando a arma do voto, elegeu um operário e, agora, uma mulher, que, para infelicidade tua e de teus pares, não pertencem às oligarquias que sempre nos mantiveram subservientes e capados. O resultado foi muitíssimo melhor que o esperado, apesar das más heranças que temos tido de enfrentar (tu mesmo és testemunha: lembras dos tempos das “marolinhas” de que tanto tiraste sarro?).
Por mais que o governo popular não seja aquele sonho revolucionário que alguns desejariam (mesmo porque, ao que parece, já não estamos em tempos de revoluções febris), é, sim, a marca de uma grande mudança de paradigma na história do Brasil: embora não tenham ficado para trás definitivamente, as velhas oligarquias parece que se tornaram repentinamente obsoletas, ainda que seus cantos de cisne moribundo ecoem aqui e acolá, inclusive em vozes como a tua.
Teu texto lembra os discursos da minha juventude, nos bares da vida, em que, já avançada a madrugada, falseávamos estatísticas, conceitos, princípios, datas, fatos históricos e brandíamos acusações furiosas contra tudo e contra todos, com a facilidade irresponsável que a embriaguez nos facultava.
É isto: teu texto é falaz e irresponsável. Desabona inclusive os esforços mais sérios da resistência conservadora contra os avanços inegáveis do governo popular, que só não vê quem não quer... ou que não pode.
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