Sereia
Pareço sereia? - Pareço.
Mas, por que teriam as sereias
qualquer medo de cantar
se seus Ulisses se preservam
amarrando-se nos mastros
dos navios levados pelo vento?
Rabiscos e olhares, na frequencia e na medida do possível, ao meu tempo e ao contexto em que vivo.
Bicho doente,
acossado num canto
pela dor.
Mira pelas frinchas
o rio, a montanha,
a chuvarada copiosa
que lava o mundo.
Respira com cuidado
pra não reabrir
a ferida.
Contempla, apenas,
enquanto o tempo passa
devagar,
silenciosamente.
Caro Gert,
Leio seus artigos há muito tempo, desde que cheguei nesta cidade, e respeito-o muito por sua dedicação e paixão à preservação ambiental, dentre outras ações importantes que você se dedica com afinco. Não tenho o privilégio que você tem de poder apresentar-me como “cidadão nascido e morador” desta terra e, mesmo que fosse, talvez não considerasse este fato relevante, diante do aspecto pluralista que - ouso afirmar - qualquer cidade democrática deveria considerar para pensar seu desenvolvimento e registrar sua história, feita por cidadãos natos e migrantes, sem qualquer hierarquia de importância.
Concordo em alguns aspectos com seu artigo sobre o tombamento de casas antigas, principalmente no tocante aos proprietários que têm nas mesmas sua moradia e, muitas vezes, único bem da família. Lamento por você não estar acompanhando mais de perto o trabalho que vem sendo realizado pela Fundação Cultural, no sentido de corrigir injustiças.
Uma das prioridades do governo Carlito Merss foi ouvir a sociedade quanto à política de preservação do patrimônio cultural. Durante todo o ano de 2009, dois projetos de lei foram cuidadosamente avaliados e revisados por mais de quinze instituições diferentes, reunidas numa comissão especialmente nomeada para este fim. Nas próximas semanas, tais projetos de lei serão reenviados à Câmara de Vereadores, após receberem o devido aval do Conselho da Cidade. Os projetos já haviam sido encaminhados à Câmara em 2007, na gestão do então vice-prefeito Rodrigo Bornholdt, mas foram retirados pela Prefeitura Municipal em 2008.
Entretanto, manifesto aqui minha tristeza e estranhamento diante das opiniões expressas em seu artigo, principalmente reconhecendo sua atuação incontestável como forte defensor e militante da preservação ambiental e como companheiro do partido que faço parte, o PDT. Considero suas afirmações - sobre o processo de inclusão de bens a serem protegidos - um tanto preconceituosas e desrespeitosas com inúmeras pessoas que, como você, têm importantes trabalhos realizados por e nesta cidade.
Talvez você não saiba, mas essa “rapaziada” ou “essa juventude que gosta de um baseado” (termos que você adotou em seu texto para referir-se aos membros da Comissão Municipal de Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Natural) são profissionais respeitados, das mais diversas áreas, representantes do poder público e da sociedade civil, alguns deles com a experiência e vivência da idade que, imagino, você considera ideal.
O curioso e paradoxal, pelo menos para este que lhe escreve, é que muitas vezes ouvi e continuo ouvindo, como referência a você e seu indiscutível trabalho pela preservação ambiental, exatamente as mesmas críticas que você faz, com os mesmos termos que você usa em seu artigo. Da mesma forma, sempre defendi sua atuação e discordei com os que assim se referem a sua pessoa e sua atuação. Talvez você tenha esquecido que algumas pessoas ainda consideram as leis de preservação ambiental - que tanto você quanto nós defendemos - como “arcaicas, injustas, insensíveis e babacas”, apenas para relembrar os termos que você usa em seu texto para se referir às leis de tombamento.
Imagino também que talvez você não saiba que os imóveis mais polêmicos quanto a sua necessidade de preservação - não apenas em Joinville, mas em todo o Brasil - não têm sido aqueles de propriedade de pessoas idosas que neles residem. A fúria contrária à preservação do patrimônio cultural vem geralmente do mercado imobiliário, do mercado da construção civil e, na maioria das vezes, de investidores que não dependem diretamente daqueles imóveis para sua sobrevivência. Os mesmos, portanto, que mais se irritam com as políticas de preservação ambiental.
Sobre a Rua das Palmeiras, que segundo você “impede a circulação de pessoas normais”, salientamos que há um projeto elaborado pelo IPPUJ, com o apoio da Fundação Cultural, que prevê a reabertura da mesma em toda sua extensão (como era na originalidade), bem como a requalificação da área, com recursos do Governo Federal. E quanto às casas preservadas que hoje estão abandonadas naquele local - inclusive as que sofreram com os incêndios recentes - é prudente esclarecer que as mesmas não são utilizadas como moradias de seus proprietários, de longa data.
Como diretor executivo da Fundação Cultural de Joinville, convido você e qualquer outro interessado a nos fazer uma visita para conhecer os projetos de lei que oferecerão uma série de benefícios aos proprietários de bens tombados (deduções e isenções de impostos e taxas, transferência do direito de construir, fundo municipal e mecenato). Nosso presidente, Silvestre Ferreira, e nossa gerente de patrimônio cultural, Elizabete Tamanini, certamente terão muito prazer em atendê-los.
Grande abraço,
Charles Narloch
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(*) Em resposta ao texto de Gert Fischer, Casas tombadas - um horror para os proprietários
Do que perdemos
Borges de Garuva
É verdade, sim:
damos subitamente mais valor ao que perdemos.
Foi assim com minha amiga,
de quem ouvia com certa impaciência,
nas noites de bebedeira interminável,
as lamentações existenciais.
Quanta saudade senti, por longo tempo,
das suas ladainhas madrugueiras,
depois que ela se escondeu
sob aquele monturo de flores
ao pôr-do-sol.
Foi assim com meu irmão,
quando sumiu no túmulo
com suas fantasias e sonhos,
com seu jeito quase fitzcarraldiano de ser...
Foi assim com minha mãe,
depois que a encontrei
transformada em pequena múmia
no vácuo de uma emfermaria de hospital.
Quanta saudade senti da sua impaciência,
das suas reclamações,
da sua tonelada de doenças
e outros males
que a afligiam
como se a ninguém mais.
Depois que perdi,
senti falta daquela
que se ocultava por trás dos reclames,
a minha velha.
É assim contigo,
agora que partiste
para desenhar tua pele
nãos mãos de outro.
É assim comigo,
que,
te perdendo,
me perdi.
E sinto saudade
de mim.
Why does it seem that you never let go
Why don´t you realize when I say no
I want you to leave and I want you to know
I like to be lonely alone with my soul
So please get the message and get up and go
Just go go go through the door
Leave leave leave me alone
(Tatiana Kressmann [Eric´s blues])
Ah!
Esquecer o amor
Deixar que flua
Este dia tem o som de um dia sem contornos. As paredes estão ali, mas só me retêm porque quero: quero estar aqui, preso, deliciando-me com a luz que se pintou no acaso das nuvens. Entre quatro paredes, banhado na luz. Deixar que flua, não reter, não pedir, não querer...
Ah!, esquecer o amor,
brincar de novo com os contornos dos dias,
beber as horas nos seus minutos presentes
e eternos
sobretudo
sobre tudo mesmo sobre mim
deixar que vontades e desejos
tesões carinhos beijos vivos luminosos
sejam apenas
pássaros de arribação pousando
numa das pequenas florestas
do meu coração.
Esquecer o amor.
Deixar que a vida flua
um pouquinho
sem mim.
O segundo dia do Fórum Social 2010 em São Leopoldo abriu com uma interessante e bem-humorada exposição de Carlos Baráibar, veterano senador do Uruguai, que falou da Frente Ampla - uma articulação exemplar de TODOS os partidos da esquerda (mais do que uma coalizão, trata-se de um movimento político de esquerda), que, segundo ele, funciona com o mesmo Código de Compromisso de Conduta Política desde que foi criada, em 1971. Desde então, o Código nunca foi contestado nem modificado e somente um único partido, em todos estes anos, acabou deixando a Frente, porque bandeou para a direita.
Na mesma mesa, estava a dramaturga uruguaia e atual assessora da Diretoria de Cultura de Montevidéu. Em sua fala, lembrou que a unidade da esquerda não é questão tática, mas estratégica e sugeriu que, para neutralizar a ação da imprensa comprometida com interesses conservadores, no Uruguai as redes eletrônicas foram fundamentais nas últimas eleições e estão provocando uma revisão geral na prática de militância dos 700 comitês de base da Frente Ampla.
A segunda mesa tratou do tema Os governos locais e a Convenção da Diversidade. Houve consenso entre os participantes de que a Convenção produziu frutos interessantíssimos em todos os países, especialmente no Brasil, onde um Ministério da Cultura cada vez mais fortalecido nos últimos anos, tem conseguido implementar uma política voltada para o reconhecimento e o estímulo à diversidade cultural que caracteriza o país.
Também no Peru, segundo Luis Repetto, ex-ministro da cultura daquele país, as políticas públicas contemplando a diversidade tem produzido bons efeitos. Lembrou a importância que teve e tem a Carta Iberoamericana de Cultura.
(Continua.)
Dôo em dobro
Borges de Garuva
Quando de amor,
dôo em dobro.
Por ti, mais que amor,
dôo em triplo
(mais que amor, te digo,//P>
que já éramos, por pouco,
cúmplices na vida.)
Sei que ressuscito quando dôo:
tristeza é melhor do que vazio.
As lágrimas
vêm e lavam
nossos olhos.
Só assim, limpo de mágua,
pode estender-se meu olhar
para depois de amanhã...
Minha lua de Vesak
Borges de Garuva
Miro o escuro.
Atiro um pensamento.
(Algures alguém alcançará?)
Na noite nova de chuva,
o vinho rural a sós
e uma viola que ponteia...
O escuro me devolve nada.
Não tenho Buda.
Não gosto dos natais.
A ressurreição há de ser amanhã
(a de sempre).
Cada dia
sou a seta-pensamento
que atiro no escuro
quando a noite chega.