Do que perdemos
Borges de Garuva
É verdade, sim:
damos subitamente mais valor ao que perdemos.
Foi assim com minha amiga,
de quem ouvia com certa impaciência,
nas noites de bebedeira interminável,
as lamentações existenciais.
Quanta saudade senti, por longo tempo,
das suas ladainhas madrugueiras,
depois que ela se escondeu
sob aquele monturo de flores
ao pôr-do-sol.
Foi assim com meu irmão,
quando sumiu no túmulo
com suas fantasias e sonhos,
com seu jeito quase fitzcarraldiano de ser...
Foi assim com minha mãe,
depois que a encontrei
transformada em pequena múmia
no vácuo de uma emfermaria de hospital.
Quanta saudade senti da sua impaciência,
das suas reclamações,
da sua tonelada de doenças
e outros males
que a afligiam
como se a ninguém mais.
Depois que perdi,
senti falta daquela
que se ocultava por trás dos reclames,
a minha velha.
É assim contigo,
agora que partiste
para desenhar tua pele
nãos mãos de outro.
É assim comigo,
que,
te perdendo,
me perdi.
E sinto saudade
de mim.
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