sábado, 19 de julho de 2008

A dança no conceito será sempre outra na cena?

 

M.E.I.O.: Reve(fe)rências. Sei que é imperdoável, mas cheguei atrasado para ver Reve(fe)rências, da M.E.I.O. Artistas Associados (Belo Horizonte), apresentado na segunda noite da Mostra de Dança Contemporânea, em Joinville. "Cinco minutos", disseram-me.

Primeiro contato com a obra foi auditivo: a voz de Meredith Monk entoando uma de suas canções (de Gotham Lullaby, de Dolmen Music). E logo o olhar constata: no palco, a voz de Meredith está materializada nos movimentos dos três bailarinos da M.e.i.o. O encanto é imediato: o que vejo em cena é dança. Contemporânea.

Gostaria de não ter preguiça de fazer o exercício de discernir claramente o que vejo em cena e, ao mesmo tempo, entregar-me ao prazer próprio do espectador: deixar-me tocar pela obra, a tal ponto que as intenções dos seus criadores me alcançassem e produzissem aqueles efeitos que a generosidade do artista busca produzir.

Minha "tradição" como espectador de dança leva-me a ler a performance da M.e.i.o dentro de um dos caminhos do contemporâneo, a dança-teatro. Mas, pelo que leio da história desses bailarinos e do grupo, há algo mais aí: essa busca de realizar uma reflexão através da dança. Isto me fascina. E, por isso, aquela minha pergunta do título.

A verdade, agora, é que os três que vi ontem ficaram dançando em mim. Dormi com eles, sonhei com eles e, pela manhã, eles haviam, sim, produzido algo em mim, como aquelas leituras de Camus (ou como o Estorvo do Chico Buarque): enquanto lemos, parecem narrativas normais como tantas outras; aos poucos, porém, infiltram-se no nosso cotidiano e seguem conosco por dias a fio, alterando sutilmente nosso modo de ver.

Peter Lavratti já dançou com o Raça, o Cisne Negro e o Grupo Corpo. Foto raptada da WorldwideDanceUK. Thanks.Aí está! O trabalho da M.e.i.o. tem algo de existencialista. E, apesar de minha leitura relativamente incompetente, a obra me penetrou.

A partir de agora, tenho dois desafios como espectador de dança: por um lado, tentar calar dentro de mim, durante a performance, aquele velho vício de querer ler tudo, interpretar tudo, explicar tudo: há coisas, na arte, que ocorrem sem que precisemos saber exatamente como; por outro lado, encontrar um modo de ir reconhecendo os aspectos próprios do fazer da dança, o vocabulário, o uso da linguagem corporal, o trabalho por trás da obra (exatamente como faço no cinema, no teatro, na literatura: reconheço os procedimentos que podem ter dado origem à obra do ponto de vista de sua construção real.

Edson Beserra já dançou com a Quasar, a Cia. Débora Colker e o Grupo Corpo. Foto raptada da WorldwideDanceUK. Thanks. Na linha do segundo desafio, penso que, apesar da evidente experiência técnica e qualidade corporal dos bailarinos da M.e.i.o. e do bom gosto geral que marca as escolhas, parece faltar algo - uma falta que nasce, me parece, de um hermetismo (eu tinha escrito "inconsistência" - mas como poderia ousar dizer isto?!) do desenho coreográfico1. (Sei, estou falando se fosse um expert, mas não sou. Apenas não encontro agora outro caminho para formular o que estou pensando: parece-me faltar à obra uma espinha dorsal, um argumento que lhe dê organicidade. Há, sei, uma proposta que está explítica no programa e no release divulgado; há uma idéia geral que comandou a realização da obra e a partir da qual deveríamos fazer nossa leitura. Mas, não encontrei correspondência entre essa proposta e a dança viva que vi na cena. (E será que isto importa? E quanto importa?

Enfim, isto é apenas um registro. Estou determinado a superar a necessidade de interpretar2. Também quero aprender a contemplar sem a necessidade de me submeter aos efeitos fáceis das narrativas. Mas, é preciso um tempo.

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(1) Fiquei confuso e enquanto não obtiver melhor informação, fica este registro: na ficha técnica do programa da MDC leio: coreografia: Peter Lavratti e Claudia Lobo; no programa da base do FDC, lemos: as peças da coreógrafa belga Anne Teresa de Keersmaeker. De quem são, afinal, as coregrafias que vi em cena? [voltar]

(2) Talvez seja hora de reler Contra a interpretação, de Susan Sontag, leitura que me balançou as estruturas no início dos anos 80 e que, me parece agora, ainda é superválida. (V. próxima nota.) [voltar]

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