segunda-feira, 21 de julho de 2008

O peso da consciência.

Em O processo, a dança reivindica para si
o direito ao drama

Leio isto no programa do espetáculo que acabo de ver na Mostra Contemporânea do XXVI Festival de Dança de Joinville. Coreografia cíclica, limpa (embora de difícil execução), organizada como uma grande fuga a 5 vozes, cujo tema (a culpa) vai passando de uma a uma ao longo do trabalho e acaba aos poucos produzindo no espectador a sensação opressiva que se pode sentir na leitura da obra de Kafka.

Para minha sensibilidade, O processo, da Cia. Borelli, é um dos dois mais importantes espetáculos apresentados na mostra de 2008.

Não tenho muita certeza do que afirmo (é uma opinião apressada, como dizia há pouco a uma repórter), mas me parece que a mostra tem pecado por trazer ao palco trabalhos experimentais em processo (no sentido de que ainda não chegaram aonde se propõem chegar), quando implicitamente o que o público procura, sobretudo num festival competitivo, é produto bem acabado. (Aqui me coloco como o público que a organização tem em mente, conforme deduzo do que a assessoria de imprensa costuma divulgar.)

A primeira referência que ouvi sobre a peça enquadrava-a como dança-teatro. Mas, o que a epígrafe parece querer dizer é outra coisa: quando a dança reivindica o direito ao drama, não está deixando de ser dança para ser teatro - o drama é uma das propriedades possíveis da dança. Parece paradoxal que, equanto o teatro começa a querer fugir do drama, a dança queira apropriar-se dele por direito.

Mas, acho que entendo o Sandro: a grande dança - aquela consagrada pelo tempo, tornada clássica (como o Don Quixote que vimos hoje) - está na quase sua totalidade vinculada ao drama, nasce do drama, exprime-se como drama. Não necessariamente como narrativa, como um processo que, passando pelo conflito se resolve de algum modo em final feliz ou tragédia, mas como algo que se desenrola no tempo, que quer ser ou significar alguma coisa para além da própria dança. É legítimo, portanto, não pensar dança apenas como o resultado estético da exploração das possibilidades gestuais, rítmicas e expressivas do corpo, ou disso que chamam de body mnotion (pra que isto, se podemos dizer em português?!) etc. É legítimo pensar que, embora seja oportuno e necessário que os artistas da dança experimentem, pesquisem, explorem, tentem caminhos, também se dêem ao trabalho de ir mais além, isto é, de aproveitar as descobertas e os materiais colhidos na pesquisa para produzir uma obra ou um evento capaz de alcançar também mais alguém para além daqueles que vivem diretamente envolvidos com os mistérios da própria dança. Em palavras mais simples: olhar para o próprio umbigo durante a pesquisa e para a humanidade na hora da criação.

[Como o cansaço bateu, vou dormir. Amanhã continuo.]

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